16/05/2008

como usar a música na sala de aula



É bastante raro encontrar no mundo alguma pessoa que não aprecie algum som, seja ele originado da natureza, como o canto de um pássaro, seja ele produzido pelo ser humano, como uma canção qualquer. Indo a extremos, há mesmo quem chegue a afirmar que o som do mar, com as ondas batendo umas nas outras, na areia ou nas rochas, ou o som do motor de uma motocicleta são “verdadeira música" para seus ouvidos.

A partir dessa constatação, percebemos o valor que o som organizado por nós, seres humanos, pode alcançar quando desejamos por meio dele exprimir algo a outra pessoa. Nos meandros de nossas expressões sonoras, encontra-se até a própria transmissão do saber às novas gerações, seja o som do tipo que for: é por meio do som de sua voz que a maioria dos professores, sacerdotes etc. comunica e ensina a seu(s) interlocutor(es). É evidente que a comunicação verbal é por excelência a primeira na escala comunicativa humana; também não é menos verdadeiro que, quando tem a música como aliada, ganha força, entre outros motivos, pelo suporte e penetração mais intensa que adquire a transmissão de sua mensagem original. Muitas vezes é mais eficaz perpetuar um pensamento transmitindo-o verbalmente pelo canto que pela escrita no papel, no papiro, no pergaminho ou na pedra – a história da humanidade prova isso. Todo papel, papiro etc., ou até mesmo toda pedra tocada e trabalhada pelo homem, um dia se acaba. A música, o som ordenado, assim como é uma linguagem universal também é uma linguagem por meio da qual uma idéia é mais bem difundida ao longo dos tempos: mesmo sem escrever quaisquer sinais gráficos que representassem os sons que escrever quaisquer sinais gráficos que representassem os sons que cantavam, há gerações de monges orientais, por exemplo, que continuaram pelos séculos entoando palavras que aprenderam cantando desde a mais tenra infância com seus mestres. Essa é a transmissão verbal-oral-cantada do conhecimento. O mesmo processo se verifica em tribos de povos primitivos africanos, brasileiros etc. Nesse aspecto, poderíamos dizer que, na ordenação que o homem impõe às coisas do mundo, uma pedra é mais história e uma música é mais tradição.

Nas diversas religiões, pelas diversas regiões da Terra e ao longo dos milênios de existência do homem, a prática de associar qualquer disciplina à música sempre foi bastante utilizada e demonstrou muitas potencialidades como auxiliar no aprendizado, porém grande parte dos sistemas educacionais das sociedades modernas, entre os quais incluo a maioria dos sistemas educacionais vigentes no Brasil, têm esquecido sua aplicação na prática de ensino e, ainda que haja a manutenção ou o resgate heróico de tal prática por parte de alguns poucos professores isolados, muitos fazem-no de maneira inadequada, isto é, apreciam e sabem valorizar a música como ela merece, mas muitas vezes enfrentam a falta de conhecimento mais detalhado a respeito dessa arte. A intenção subseqüente é a de que, uma vez estando o professor convencido da utilidade da música em sala de aula como elemento auxiliar, aplique-a em sua disciplina, em benefício seu e de seus alunos. No entanto, lembramos que, antes de qualquer coisa, antes da aplicação de qualquer atividade, é preciso que o professor ouça muita música, dos mais variados tipos, ou seja, que deixe preconceitos de lado e experimente todas as variedades possíveis, para então formar sua opinião a respeito e, como bom ouvinte que será saber selecionar aquilo que é mais útil e adequado para si e para o aprendizado de seus alunos.

O professor deve usar a música para ensinar, e nunca para atormentar. É preciso defender o resgate da função e do verdadeiro valor da música dentro de uma sala de aula, como elemento auxiliar na formação do indivíduo. Portanto, o professor deve utilizar propostas que partem de uma obra musical composta e já cristalizada como música para chegar ao conteúdo de uma disciplina que tenha afinidade com certos elementos integrantes da composição musical, seja na questão da estrutura melódica e/ou rítmica, seja nas palavras que acompanham a melodia, e assim por diante, ou seja, a música não é desenvolvida para uma determinada atividade proposta, mas sim uma atividade proposta faz uso dos recursos que cada música pode oferecer em cada caso. É um trabalho fundamentado em analogias e isso não compromete nem a composição musical nem as matérias a serem ensinadas; desse modo, mantém cada arte ou ciência em seu lugar de direito.

*Martins Ferreira

*Doutor em literatura pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Trecho do livro “Como usar a música na sala de aula”. 2a edição, São Paulo, Editora Contexto, 2002.


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