07/06/2008

DIFICULDADES E DESAFIOS NO TRABALHO EM EQUIPE


Sueli Cominetti Corrêa

Dado o contexto histórico e cultural de nossa sociedade, novas concepções de educação e a aproximação com o pensamento e postura interdisciplinares, torna-se necessário refletir sobre o que é trabalhar em equipe, seus dilemas, suas implicações e seus benefícios.

Não nos compete promover um julgamento sobre as vantagens do trabalho individualizado e do trabalho em equipe, até porque entendemos haver benefícios em ambas as formas. Entretanto, temos evidências de que o trabalho interdisciplinar promove a consagração do conhecimento como amplo, diversificado e composto por muitas áreas do saber. Devido à grande fragmentação do conhecimento, visto ainda nos dias de hoje, a proposta interdisciplinar de educação rompe barreiras, propõe a reflexão sobre novas crenças e implica em uma postura educativa-profissional diferente. Postura esta que implica no trabalho em equipe.

Desta forma, nos deteremos à reflexão do que é o trabalho em equipe, inicialmente. Logo na seqüência, refletiremos sobre os relacionamentos interpessoais e os decorrentes conflitos, percorrendo algumas referências teóricas como Henri Wallon, Howard Gardner, Sigmund Freud e Eric Berne.

1- Trabalho em equipe:

Pode não parecer, mas há muitas diferenças entre o conceito grupo e equipe. O grupo é definido como “um ou dois mais indivíduos, em interação e interdependência, que se juntam para atingir objetivos específicos” (ROBBINS, 2004, p.106). As pessoas trabalham, cada uma dando a sua contribuição; uma espécie de somatório de contribuições individuais. O resultado reflete isso: num trabalho em grupo, facilmente se identifica quem fez o quê.

A idéia de equipe parte exatamente disto: o que se verifica é o esforço coletivo e coordenado e claro,estes esforços “resultam em um nível de desempenho maior do que a soma das entradas individuais.” (ROBBINS, 2004, p.107).

Existem muitas classificações sobre as equipes, entretanto, vamos nos deter em alguns aspectos que podem resultar na construção de uma equipe eficaz:

- Projeto de trabalho e o seu impacto sobre os outros: dependendo de qual é a tarefa, esta se torna mais motivadora para a participação dos envolvidos e aumentam o senso de responsabilidade;

- Composição da equipe: cujos membros devem ter várias habilidades, dentre elas a interpessoal; personalidades com alto nível de consciência e estabilidade emocional; respeito aos pontos fortes de cada componente da equipe e tamanho da equipe;

- Contexto e recursos adequados, bem como, como a liderança é exercida e como será feito o sistema de avaliação dos resultados;

- Processo de desenvolvimento do projeto e os níveis de conflito.

Quando a equipe formada consegue lidar com todos estes aspectos, os resultados são: metas alcançadas; satisfação de todos os envolvidos e crescimento. No entanto, sabemos que o trabalho em equipe, normalmente, envolve conflitos, dificuldades, conscientes ou não, de relacionamentos e sofre interferências inclusive da liderança que o acompanha. É necessário, portanto, observar com mais detalhes o que é o relacionamento interpessoal.

1.1 – Influências e dificuldades naturais:

Quando se fala em pessoas, deve-se considerar que nem todos os aspectos citados são observados na personalidade dos membros da equipe. Logo de início, as dificuldades esbarrarão nas diferenças pessoais, nos interesses individuais e no quanto a tarefa ou projeto age como motivador para cada um dos envolvidos. Além disso, nem sempre a pessoa conhece os membros da equipe, sabe de suas potencialidades e, às vezes, nem as reconhece em si mesmo. Quanto as habilidades que precisam ser ampliadas e os chamados “defeitos” que precisam ser confrontados e amenizados, os dilemas são ainda maiores.

Dentro da teoria de Howard Gardner, a Teoria das Inteligências Múltiplas, encontramos que a inteligência pode assumir um caráter plural, na medida em que se dividi em habilidades específicas. O autor considera a inteligência como potencialidades para resolver problemas e adaptar-se às necessidades culturais. Para ele, é importante que exercitemos (e auxiliemos o aluno a desenvolver) as “variadas inteligências humanas e todas as combinações de inteligências” (GARDNER, 1995, p. 18). Das inteligências que ele propõe, destacamos duas, que estão diretamente ligadas ao trabalho em equipe: a inteligência intrapessoal e a inteligência interpessoal.

A intrapessoal, justamente porque propicia ao ser humano a chance de conhecer-se, avaliar-se e mudar. Dentro do que o autor propõe nesta habilidade, podemos pensar que é possível que a própria pessoa descubra suas características, lapide-as e as compartilhe com o mundo. Se pensarmos que para nos relacionarmos com o outro é necessário um mínimo de auto-conhecimento, esta habilidade torna-se, portanto, imprescindível para os relacionamentos sociais.

Entendemos que é necessária coragem para se auto-conhecer e enfrentar medos e sentimentos intensos que as situações de ameaça, confrontação e desafio podem provocar. Atribuímos significados às experiências e às pessoas. Num trabalho em equipe, é necessário rever intimamente quais são estes significados, qual intensidade têm sobre nós e o que é possível ser revisto. Sem conhecer-se, sem perceber-se, fica difícil ver a própria parte que lhe cabe ao relacionamento com o outro.

Tão importante e complementar à outra, destacamos a inteligência interpessoal, que caracteriza-se, dentro da teoria, como a habilidade de aproximar-se das pessoas, descobri-las, reconhecer suas características e aprender a trabalhar com elas. Nesta perspectiva, que desenvolve a inteligência interpessoal, está apto a trabalhar em equipe de forma adequada e, provavelmente, sentirá satisfação ao fazê-lo.

Finalmente, eu proponho duas formas de inteligência pessoal – não muito bem compreendidas, difíceis de estudar, mas imensamente importantes. A inteligência interpessoal é a capacidade de compreender outras pessoas: o que as motiva, como elas trabalham, como trabalhar cooperativamente com elas. Os vendedores, políticos, professores, clínicos (terapeutas) e líderes religiosos bem-sucedidos, todos provavelmente são indivíduos com altos graus de inteligência interpessoal. A inteligência intrapessoal, um sétimo tipo de inteligência, é uma capacidade correlativa, voltada para dentro. É a capacidade de formar um modelo acurado e verídico de si mesmo e de utilizar esse modelo para operar efetivamente na vida. (GARDNER, 1995, p. 15)

Se ver a si mesmo, descobrir-se em suas qualidades e defeitos é desafiante, ver o outro, implica em mais objetividade ao ver, ou seja, um olhar crítico, distante das emoções que possam interferir no julgamento. Segundo os gestaltistas, temos a tendência, ao julgar o comportamento dos outros, em considerá-lo por uma de suas características aparentes. O chamado “efeito de halo” nada mais é do que, considerar o todo por uma única parte. Desta forma, por exemplo, se uma pessoa é tímida, pode ser considerada como incapaz de enfrentar desafios, enfrentar um aluno indisciplinado ou um pai desinformado.

A habilidade interpessoal é a de conhecer o outro, observá-las em várias de suas características e saber conviver com elas. Caso isso não ocorra, pelo menos minimamente; caso o membro da equipe não se conhece, isso influenciará, negativamente, o trabalho em equipe, possibilitando, inclusive, a sua inviabilidade.

Outra influência que pode ser considerada é de que, de acordo com a teoria psicanalítica, os relacionamentos adultos são influenciados pelas primeiras experiências infantis, ou seja, as relações que estabelecemos com nossos pais, principalmente, serão como matrizes, modelos, ou o que Freud chamou de “imagos”, ou seja, imagens ou fantasias construídas na infância, carregada de valor afetivo, que serão projetadas nas relações com outras pessoas mais adiante na vida do sujeito.

Os modelos básicos de criança-mãe, criança-pai e criança-irmãos são os protótipos a partir dos quais os encontros posteriores são inconscientemente avaliados. Os relacionamentos posteriores são, até certo grau, recapitulações da dinâmica, das tensões e das gratificações que ocorreram na família original. (FRADIMAN e FRAGER, 1986, p. 24)

Todos os relacionamentos que o sujeito estabelece na adolescência ou na fase adulta, desta forma, têm como referência as experiências vividas, mesmo que não tenha consciência disto. Muitas vezes a pessoa não sabe porque tem resistência a determinado colega de equipe ou postura de um parente. A Psicanálise explica como sendo uma identificação com algum modelo estabelecido.

Devemos considerar, portanto, que no exercício de convivência social e profissional, os conflitos aparecerão.

Conflitos podem ser entendidos como uma discordância (seguida ou não de ação física) entre duas idéias, sentimentos, desejos, pensamentos, direções. Ele pode ser interno e externo. No exercício em equipe, podemos vivenciar dilemas pessoais, que poderão gerar, inclusive, conflitos externos, com outras pessoas.

Os conflitos foram entendidos, anteriormente, como algo ruim, que deveria ser evitado a todo o custo. Desta forma, muitas equipes não resolviam seus problemas pois temiam o que o confronto de idéias, a discordância revelada, poderia causar.

Hoje, dentro das novas visões das relações humanas, com a colaboração de idéias interacionistas, os conflitos são vistos como decorrências naturais do convívio, positivos e até necessários para o desenvolvimento humano ou da equipe.

Para WALLON o conflito passa a ser uma das principais alavancas de desenvolvimento afetivo-intelectual da criança. Ele considera os conflitos como endógenos , gerados pelos efeitos da maturação nervosa ou exógenos, “quando resultantes dos desencontros entre as ações da criança e o ambiente exterior estruturado pelos adultos e pela cultura” (EDUCATIVA, ano 1, no. 09, p. 32). Para o autor, estes conflitos provocam mudanças no ser e possibilitam crescimentos.

Há abordagens distintas quando se trata de conflitos. Em ROBBINS, 2004, encontramos que, em situação de conflitos externos, as pessoas costumam agir por, competição entre as partes, colaboração (se ajudam e ficam satisfeitos), não-enfrentamento e indiferença, acomodação (auto-sacrifício) e concessão, através da qual ambas as partes cedem.

A negociação, como forma de solução de conflitos, implicam em conhecer a outra parte envolvida; estar aberto a ouvir propostas e a fazê-las; enfocar o problema e não as pessoas envolvidas e batalhar para que todos ganhem.

Parece-nos, portanto, que há soluções para os dilemas do convívio social, entretanto, todas estas soluções perpassam por vontade, necessidade e maturidade emocional.

Eric Berne, psiquiatra canadense, propõe, a partir da Psicanálise, uma teoria para fácil acesso e exercício de todos: Análise Transacional. Nesta concepção, o ser humano, a partir das experiências infantis, identifica-se com alguma das posições do ego: criança, adulto ou pais, ou seja, dependendo do resultado de suas experiências, o ser constrói sua personalidade, priorizando as normas, valores, preceitos, modelos de conduta (estado do ego pai); a análise, a reflexão, comparação (estado do ego adulto) ou as sensações, impulsos (estado do ego criança). Segundo a teoria, todos nós possuímos estas características, entretanto, manifestamos com mais intensidade estas partes.

Na visão da Análise Transacional, as transações, ou relações, que estabelecemos, também assumirão esta característica, ou seja, haverão combinações que resultarão em boas, ou difíceis relações sociais.

O exercício da liderança interferirá na ação dos membros da equipe. Se o líder age como PAI, poderá provocar reações infantis de submissão; se agir como CRIANÇA, não fará uso de sua autoridade. Dessa forma, quem assumir o papel de líder deverá estudar muito sua posição, conhecer a equipe, ter clareza do que se quer fazer e ser zeloso na ação.

2 - Desafios:

Quando falamos em propostas de trabalho educacionais, estamos pisando sobre um contexto histórico de longa data. Há muito no Brasil, o conhecimento é disciplinar, fragmentado, especializado e priorizado dependendo dos objetivos institucionais, não necessariamente, educacionais. Motivação política e financeira devem ser levadas em conta na realidade atual da Educação.

A proposta interdisciplinar promove, por assim dizer, revisão em todos os segmentos educacionais, refletindo novamente sobre o que é necessário ensinar, a quem se ensina, quem somos nós que educamos e, como devemos agir. O que nos parece é que o agir-coletivo, que implica a proposta interdisciplinar, fará com que o sujeito se conheça, se respeite e procure conhecer e respeitar o outro.

Quando o assunto é a nossa prática educacional, a flexibilidade e a atualização constante fazem diferença no entendimento de novas propostas, novos modelos, novos paradigmas. Trabalhar interdisciplinarmente implica, sobretudo, em ver diferente e agir diferente. Ver, de outra forma como construir o conhecimento. Agir, diferente, porque não poderemos mais caminhar sozinhos ou, sós na mesma direção. Precisaremos caminhar juntos, fazer o caminho, descobrir novos horizontes.

Torna-se necessário rever tudo o que sempre concebemos como projetos, como ação educacional, como currículo e limites da grade curricular. São anos e anos de tradição disciplinar, de individualização e somente agora estamos construindo um olhar interdisciplinar, no qual tudo está em nova perspectiva. Todos nós, individualmente, teremos que reaprender, para aprender a trabalhar junto – aprender sobre nós, sobre o outro, sobre a importância do conhecimento e como este se constrói.

Teremos que aprender e a ensinar como agir de forma interdisciplinar. Os nossos alunos também terão dificuldades em pensar de forma tão oposta ao que a sociedade, tradicionalmente, reforçou por muito tempo.

Conforme dissemos anteriormente, a relevância da proposta, ou seja, nossa crença na educação, será agente motivador suficiente para que os desafios sejam encarados e vencidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

EDUCATIVA, edição no. 09, ano 1. Editora Minuano.

FADIMAN, James e FRAGER, Robert. Teorias da Personalidade. São Paulo: Harbra, 1986.

GARDNER, Howard. Inteligências Múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.

KERTÉSZ, Roberto. Análise transacional ao vivo. 4. ed. São Paulo: Summus, 1987.

ROBBINS, Stephen P. Fundamentos do Comportamento Organizacional. 7 ed. São Paulo: Prentice Hall, 2004.

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